A Vigília Pascal
O simbolismo fundamental da celebração litúgica da Vigília é o de ser uma "noite clara", ou melhor «a noite que brilha como o dia e a escuridão é clara como a luz»
Na noite, em que Jesus Cristo passou da
morte à vida, a Igreja convida os seus filhos a reunirem-se em vigília e
oração. Na verdade, a Vigília pascal foi sempre considerada a mãe de
todas a vigílias e o coração do Ano litúrgico. A sensibilidade popular
poderia pensar que a grande noite fosse a noite de Natal, mas a teologia
e a liturgia da Igreja adverte que é a noite da Páscoa, «na qual a
Igreja espera em vigília a Ressurreição de Cristo e a celebra nos
sacramentos» (Normas gerais sobre o Ano litúrgico, 20). No texto do
Precónio pascal, chamado o hino “Exsultet” e que se canta nesta
celebração, diz-se que esta noite é «bendita», porque é a «única a ter
conhecimento do tempo e da hora em que Cristo ressuscitou do sepulcro!
Esta é a noite, da qual está escrito: a noite brilha como o dia e a
escuridão é clara como a luz». Por isso, desde o início a Igreja
celebrou a Páscoa anual, solenidade das solenidades, com um vigília
nocturna.
A celebração da Vigília pascal articula-se
em quatro partes: 1) a liturgia da luz ou “lucernário”; 2) a liturgia da
Palavra; 3) a liturgia baptismal; 4) a liturgia eucarística.
2) A liturgia da Palavra propõe sete
leituras do Antigo Testamento, que recordam as maravilhas de Deus na
história da salvação e duas do Novo Testamento, ou seja, o anúncio da
Ressurreição segundo os três Evangelhos sinópticos, e a leitura
apostólica sobre o Baptismo cristão como sacramento da Páscoa de Cristo.
Assim, a Igreja, «começando por Moisés e seguindo pelos Profetas» (Lc
24,27), interpreta o mistério pascal de Cristo. Toda a escuta da Palavra
é feita à luz do acontecimento-Cristo, simbolizado no círio colocado no
candelabro junto ao Ambão ou perto do Altar.
3) A liturgia baptismal é parte
integrante da celebração. Quando não há Baptismo, faz-se a bênção da
fonte baptismal e a renovação das promessas do Baptismo. Do programa
ritual consta, ainda, o canto da ladainha dos santos, a bênção da água, a
aspersão de toda a assembleia com a água benta e a oração universal. A
Igreja antiga baptizava os catecúmenos nesta noite e hoje permanece a
liturgia baptismal, mesmo sem a celebração do Baptismo.
4) A liturgia eucaristica é o momento
culminante da Vigília, qual sacramento pleno da Páscoa, isto é, a
memória do sacrifício da Cruz, a presença de Cristo Ressuscitado, o
ápice da Iniciação cristã e o antegozo da Páscoa eterna.
Estes quatro momentos celebrativos têm
como fio condutor a unidade do plano de salvação de Deus em favor dos
homens, que se realiza plenamente na Páscoa de Cristo por nós. Por
consequência, a Ressurreição de Cristo é o fundamento da fé e da
esperança da Igreja.
Gostaria de destacar dois elementos expressivos desta solene vigília: a luz e a água.
A Vigília na noite santa abre com a
liturgia da luz, evocando a ressurreição de Cristo e a peregrinação de
Israel guiado pela coluna de fogo. A liturgia salienta a potência da
luz, como o símbolo de Cristo Ressuscitado, no círio pascal e nas velas
que se acendem do mesmo, na iluminação progressiva das luzes da igreja,
ao acender das velas do altar e com as velas acesas na mão para a
renovação das promessas baptismais. O símbolo mais iluminador é o círio,
que deve ser de cera, novo cada ano e relativamente grande, para poder
evocar que Cristo é a luz dos povos. Ao acender o círio pascal do lume
novo, o sacerdote diz: «A luz de Cristo gloriosamente ressuscitado nos
dissipe as trevas do coração e do espírito» e depois apresenta o círio
como «lumen Christi=a luz de Cristo». Quando alguém nasce, costuma-se
dizer que «veio à luz» ou que «a mãe deu à luz». Podemos, por isso dizer
que a Igreja veio à luz na Páscoa de Cristo. De facto, toda a vida da
Igreja encontra a sua fonte no mistério da Páscoa de Cristo.
A água na liturgia é, igualmente, um
símbolo muito significativo. «A água é rica de mistério» (R. Guardini).
Ela é simples, pura, limpa e desinteressada. Símbolo perfeito da vida,
que Deus preparou, ao longos dos tempos, para manifestar melhor o
sentido do Baptismo. A oração da bênção da água faz memória da acção
salvífica de Deus na história através da água. Com efeito, a água é
benzida, para que o homem, criado à imagem e semelhança de Deus, «no
sacramento do Baptismo seja purificado das velhas impurezas e ressuscite
homem novo pela água e pelo Espírito Santo». Na tradição eclesial, a
fonte baptismal é comparada ao seio materno e a Igreja à mãe que dá à
luz
O simbolismo fundamental da celebração
litúrgica da Vigília é o de ser uma “noite clara”, ou melhor «a noite
que brilha como o dia e a escuridão é clara como a luz». Esta noite
inaugura o “Hodie=Hoje” da liturgia, como se tratasse de um único dia de
festa sem ocaso (o dia da celebração festiva da Igreja que se prolonga
pela oitava pascal e pelos cinquenta dias do Tempo pascal), no qual se
diz «eis o dia que fez o Senhor, nele exultemos e nos alegremos» (Sl
118).
P. José CordeiroReitor do Pontifício Colégio Português
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